A Armadilha da Positividade Tóxica
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Há algumas semanas um assunto viralizou no LinkedIn: Uma empresa qualquer teve a ideia de demitir um funcionário “de forma humanizada”, com uma cesta decorada e palavras de agradecimento.
Muitas pessoas criticaram e se colocaram contra essa atitude: No que isso ajuda em uma situação delicada de desligamento?
São críticas muito pertinentes.
É muito boa a ideia de uma gestão que trata bem os funcionários, superando a ideia hierarquizada e rígida (há muito ultrapassada), mas existe um limite de bom senso. Na busca por um ambiente sempre positivo e otimista, muitos gestores acabam caindo em uma armadilha: A positividade tóxica.
Nesse caso específico: não teria sido melhor indicar o profissional desligado em outra empresa? Ou dar boas referências dele? Ou, minimamente, tratar a situação com a seriedade e privacidade que ela merece?
Compensa refletir em qual a serventia de um gestor que não oferece ajuda real aos seus liderados, e logo você vai perceber que, se antes havia distância por conta da rigidez, é possível manter-se também muito distante através de incentivos vazios e palavras bonitas que não refletem em ações efetivas.
O que é a positividade tóxica?
A positividade tóxica é um conceito recente que faz referência a uma série de comportamentos que dão uma ênfase exagerada ao pensamento positivo, mesmo que as circunstâncias sejam difíceis.
Quando um membro do time manifesta preocupação, frustração ou ansiedade, a positividade tóxica se manifesta na invalidação dessas sensações.
Pense em qual seria sua resposta ao ouvir um membro da sua equipe dizer:
“Não tenho me sentido seguro no projeto atual. Ao mesmo tempo que me sinto grato por ter boas responsabilidades, tenho preocupações relacionadas a algumas especificidades. Tenho receio de não finalizar no prazo. Tenho medo de errar.”
Considerando uma conversa presencial, você se limitaria a dar um tapinha nas costas dele e dizer “está tudo bem, você consegue”? Ou você diria que ele deveria valorizar a oportunidade, e que deveria ser grato, já que poderia ser muito pior em outro trabalho?
Se você exigir que os demais tenham apenas atitudes positivas diante de desafios e de problemas legítimos, eles passarão a não te procurar ou a ter receio de expressar suas preocupações.
Essa situação pode levar a aumento de estresse, e a uma autocobrança de produtividade que pode gerar burnouts.
Em casos mais graves, as pessoas podem acabar com vergonha do que sentem.
E isso é plena responsabilidade do gestor, porque liderar também tem a ver com os impactos do trabalho na vida do seu time.
Um impacto direto da positividade tóxica é a perda de excelentes profissionais. Funcionários talentosos e promissores podem acabar ansiosos ou desmotivados em um ambiente onde esse silenciamento acontece. É claro que a valorização se dá por uma série de fatores, mas um gestor que inspira confiança e que oferece suporte real faz diferença.
Outras consequências podem passar batido, por serem mais indiretas: É impossível resolver um problema se você não souber que ele existe. Se um membro da sua equipe não te procura para dizer, por exemplo, que está sobrecarregado, você não pode:
- Observar a quantidade de trabalho dessa pessoa
- Avaliar a proporcionalidade entre os membros da sua equipe
- Discutir quais tarefas devem ser divididas ou reorganizadas
Quando você escuta questões legítimas, você tem a oportunidade rara de encontrar as soluções.
Encorajamento x Positividade tóxica
Mas, então, qual o limite da positividade? Onde termina o encorajamento e onde começa a imposição de um tom positivo a qualquer custo?
O otimismo nunca vai deixar de ser uma boa característica. O que não deve acontecer é a perda do equilíbrio. Ou seja, é preciso saber discernir e ter bom senso, já que não existe fórmula perfeita.
Você vai precisar confiar no seu julgamento para saber lidar com a equipe, sempre dentro de limites éticos, e cultivar uma cultura que valoriza conexões e relacionamentos reais, tanto entre gestor e liderado, quando entre os membros da equipe.
É esse alinhamento que gera a sintonia necessária para lidar com projetos. É claro que o sucesso de um trabalho depende de fatores diversos, inclusive de situações externas e imprevisíveis. Mas, ao menos nas circunstâncias esperadas, uma equipe em harmonia sempre vai ter a eficiência necessária para o resultado esperado.
Como gerir de forma autêntica e equilibrada?
Aqui vão algumas ideias:
Ambiente saudável
Para que a gestão seja autêntica e equilibrada, é preciso que todos sintam que estão em um ambiente seguro para expor ideias e para pedir ajuda.
Um ambiente seguro é aquele que oferece escuta sem julgamentos, e que não negligencia necessidades legítimas. O gestor tem papel fundamental nisso mas todos os demais também influenciem no bem estar de uma equipe.
Relações reais
É importante observar as relações interpessoais, e até incentivar momentos de descontração, sem nunca forçar proximidades que possam ser desconfortáveis e manter um olhar sensível.
Membros da equipe que são próximos, ou que se respeitam, certamente convivem melhor.
O que você diz (e como você diz) importa
O BetterUp, em um artigo sobre positividade tóxica, traz uma tabela comparativa entre declarações tóxicas e o que dizer no lugar disso:
TROQUE ISSO: | POR ISSO: |
---|---|
“Você nunca vai chegar a lugar nenhum pensando dessa forma.” | “Parece que você está realmente chateado com essa situação.” |
“Tenho certeza que você consegue.” | “Me procure se eu puder te ajudar com isso.” |
“Isso deveria ser fácil para você!” | “É normal precisar de ajuda.” |
O que você disser, e como você disser, pode fazer total diferença tanto na situação quanto na confiança que será depositada em você.
Seja empático e considere as circunstâncias individuais
Cada pessoa é um mundo, e cada um traz consigo vivências e vulnerabilidades que devem ser consideradas.
Ser empático não é uma tarefa fácil e, na dúvida, pergunte e escute. Aceite e encoraje sugestões. É preciso ser acessível e transparente.
Escute, respeite e ajude
Quando um membro do time buscar sua ajuda, não se limite a frases vazias e jargões. Promova conversas relevantes e significativas. Não é necessário ter sempre as melhores respostas, mas é importante guiar da melhor forma, e usar todo seu conhecimento e estratégia para resolver o problema em conjunto, sem abandonar a equipe a sua própria sorte.
Tenha em mente que o trabalho é parte da vida, que é incerta, surpreendente e leva a situações que nem sempre serão confortáveis. Viver o desconforto, a pressão e a pressa em equipe fazem não somente que bons resultados venham, mas tornam melhor o dia-a-dia.
Ideias finais
No final das contas, é importante entender que o time não precisa ser positivo o tempo inteiro, porque emoções negativas são comuns diante do trabalho diário e dos desafios que fazem parte de qualquer projeto
Os caminhos para uma gestão autêntica e equilibrada envolvem saber lidar com relações interpessoais e em cultivar um ambiente saudável.
Nesses momentos, é essencial que os líderes estejam dispostos a oferecer suporte verdadeiro.
Reconhecer que as pessoas têm o direito de experimentar emoções negativas em determinadas situações de trabalho é fundamental para compreender problemas e tentar encontrar uma solução.
Em vez de buscar um otimismo cego, é importante encontrar o equilíbrio, reconhecendo que a vida profissional está repleta de desafios e situações legitimamente difíceis, e que podem ser encaradas em equipe e com a ajuda do gestor.
No final das contas, um bom guia está sempre por perto.
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